Introdução: Uma metafísica total

INTRODUÇÃO À METAFÍSICA RELACIONAL
DO ABBÉ GEORGES DE NANTES

I. A METAFÍSICA, JUÍZA DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO

A METAFÍSICA, IRMÃ DA ESTÉTICA, É ACESSÍVEL A TODOS!

A metafísica, sabedoria natural suprema, é para a estética o que a ciência é para o conhecimento empírico, o que a lógica é para a conversação, o que a aritmética racional é para o cálculo mental. Alguém é metafísico sem saber, como Mons. Jourdain que fazia prosa, mas é, penso eu, através da estética. Ambas descansam e culminam em intuições saborosas, quer da verdade, quer da beleza das coisas; numa apreensão do seu íntimo segredo, puro e independente do conhecimento científico. (...)

Longe de se afundar, de se atolar nas estruturas particulares dos seres, e as medições das suas relações constantes, estéticas e metafísicas não retêm nada além da mais importante, profunda e misteriosa: a sua bela e comovedora realidade, a sua verdadeira e saciante beleza. Por outras palavras: a sua bondade e a sua verdade. Numa palavra: a perfeição do seu ser. (...) Não exigem nem instrumentos, nem livros, nem laboratórios, e caminham a par com o conhecimento empírico, desde que sejam extremamente atentos. Nascem naturalmente naquele que olha, que escuta, que saboreia e que toca, por pouco, mas eis o problema que tem em si, nativos, o sentimento da beleza, o gosto da verdade. (...) Mas os homens comuns só precisam de iniciadores, dessa sabedoria mestra a quem os povos civilizados prestaram homenagens incomparáveis, por terem despertado neles aquele gosto do verdadeiro, aquele sentimento do belo que, em seguida, parecem fazer o seu caminho sozinhos.

Essas duas sabedorias são, portanto, gêmeas. É o choque dos seres sobre a sensibilidade espiritual da alma humana que os desperta e alimenta. Mas enquanto a estética é da ordem do gozo extático na presença do mistério e do valor precioso dos seres, a metafísica é da ordem da posse unitiva do seu segredo e sentido, ou seja, da sua natureza e do seu destino. O ponto de partida é o mesmo, oferecido a todos. Mas o caminho escolhido é diferente: aqui a alegria da Beleza, uma e outra sem fim e sem fundo; ali, a elucidação da verdade, que avança para a sua saciedade, para longe, para outro lado? na posse beatificante da totalidade do Ser.

A estética permanece da ordem, não como se ensina em toda a parte, da sensibilidade, mas da afetividade, do coração: do Amor, que é sempre e na sua própria essência espiritual. A metafísica é obviamente da ordem da inteligência, mas não quero afastá-la e separá-la da nossa presente condição carnal; porque o que a metafísica busca, o conhecimento profundo, é o que se oferece ao seu olhar mais real e mais surpreendente: o mundo visível, o universo abraçado na sua totalidade atual. No entanto, tal como a estética, avança de uma marcha paralela, mais por intuições divinadoras onde o coração tem a sua parte, do que sob a pressão de raciocínios dedutivos. (...)

SUPREMO RECURSO DAS CIÊNCIAS FÍSICAS

Paradoxalmente, as ciências experimentais, que são de todas as disciplinas mais imediatamente baseadas no verdadeiro objetivo, seguro, inabalável, e que se repetem continuamente através das suas experimentações, são as que experimentam, depois das suas assombrosas descobertas, a necessidade mais imperiosa, a mais premente das certezas metafísicas.

Assim, os bons tratados de metafísica elogiam-na como « a ciência das primeiras causas e dos primeiros princípios », a mais intelectual das ciências e, por isso, a « reguladora das outras ciências ». Isto explica-se e encontra-se abundantemente ilustrado pela marcha conquistadora de todas as ciências modernas.

Numa primeira fase, sem dúvida, os investigadores estão lidando com objetos de aparência muito honesta, que existem bem diante dos seus olhos, na sua mão. (...) É por isso que o cientificismo é muito seguro de si. Sem fazer nenhuma pergunta vã, o físico colhe observações em número infinito, das quais tira leis que acabam por chegar a teorias gerais satisfatórias, sistemáticas, simples e fecundas. Todos os problemas estão resolvidos, no que diz respeito às causas, fins, estruturas e interações do real. Só temos de passar à acção para tirar proveito desta ciência completa. E daí, para todas as técnicas e, se quisermos, para as artes.

Numa segunda etapa da investigação, porém, os cientistas devem construir modelos ou figuras imaginárias da realidade, figuras que respondam simultaneamente às exigências das fórmulas matemáticas e ao simbolismo das noções físicas utilizadas. (...) Ora, acontece que, depois de terem acreditado com toda a firmeza na sua exactidão, os seus inventores e os seus manipuladores começam subitamente a interrogar-se sobre o que estão a falar e a duvidar da realidade de que falam. Os modelos deles não são ficção? Nem verdadeiro nem falso, ilusões?

Neste momento, a razão parece perder a confiança em si mesma. Ela sente sua insuficiência, não teórica, ainda menos prática, mas... existencial, afirmando sempre com toda a certeza que o que ela diz do seu objeto de estudo está, tal qual, no objeto. (...) Dos simples fenômenos observados, medidos, às noções e estruturas imaginárias destinadas a informá-los, há demasiada distância, demasiada diferença. (...)

A ciência perdeu o respeito pela razão? Ou perdeu todo o contato com o real? Duas dúvidas que este exemplo e cem outros se colocam ao espírito do sábio. Um é a autoverificação, o instrumento pelo manipulador, o cálculo pelo calculador, o raciocínio pelo raciocínio; é a crítica lógica. O outro é a verificação da presença contínua do objeto no espírito que o concebe. Este retorno ao real, nos casos mais simples, assume a forma habitual de verificação dos dados e de experimentação. Nos casos mais complexos, esta « Operação verdade » implicará um conhecimento superior do ser, que possa decidir soberanamente entre verdadeira e falsa ciência. Será necessário recorrer a um tribunal supremo para saber quem é louco, quem é o homem de bom senso ou quem é o sábio que raciocina fora do senso comum. A luz, uma entidade matemática a vibrar ao mesmo tempo em todo o lado e em lado nenhum, e de repente surge um grão de energia? É real ou irreal, louco ou verdadeiro? Quem o julgará? (...)

Ainda não falei senão de ciências que avançam muito longe na sua hipotética estruturação do real, até ao completo desarranjo da imaginação. Resta imaginar mais grave, a possibilidade do erro científico ou da mentira pelos quais, de vez em quando, o mundo sábio leva, e nos convida ter ilusões grosseiras sobre coisas. É um problema conhecido: quem, e em nome de quê, ousará denunciar a impostura e será ouvido? Também aqui se faz sentir a necessidade de recorrer a um juiz soberano, a uma sabedoria a que todos possam chegar, cujas sentenças sejam capazes de dirimir qualquer conflito, protegendo a opinião pública de alguns enormes equívocos. Disso depende subsidiariamente, mas é fundamental, a permanência da civilização humana. (...)

Entende-se que qualquer religião impõe legitimamente aos seus seguidores um certo número de dogmas ou de artigos de fé que os fazem rejeitar a priori como falsos, ou como inúteis, um certo número de hipóteses científicas contrárias. (...) No entanto, não se trata aqui apenas de uma arbitragem, de um juízo intrínseco ao próprio estudo científico. Trata-se de uma contribuição externa, de uma intervenção alheia à disciplina científica em questão, que dita a solução verdadeira sem entrar em qualquer consideração empírica. (...) A religião não é, portanto, capaz de arbitragem científica. (...)

Com numerosos exemplos, o Abbé de Nantes estabelece que, quando o sábio é apreendido pela vertigem medindo a distância que cresce entre as suas construções intelectuais e a primeira experiência, sente a necessidade de apoio, de um recurso que a religião como tal não lhe pode dar; está além! É preciso que ele produza outro ato intelectual, mais interior e mais forte do que o ato científico, confortando-o com pontos de vista mais gerais e razões mais certas na sua apreensão da verdade. Este ato não é um ato de fé; é um ato de sabedoria metafísica. (...)

A METAFÍSICA, JUÍZA DAS RELIGIÕES E DAS CIÊNCIAS

Supondo que haja uma certeza última, não ao princípio do conhecimento onde estão as intuições mães das ciências, mas ao seu ponto mais alto de realização, coroando-as: uma certeza discriminando o verdadeiro do falso, nas relações do espírito humano com o mundo que ele se aplica a conhecer. Para ela tenderiam todas as ciências para receber desta sabedoria régia um conforto, um sinal de verdade, de plausibilidade invejável. Também a ela desceria e se apresentaria toda a palavra divina, toda a revelação de mistérios, como um « controle da imigração », para receber dela o visto de entrada, o certificado de compatibilidade do novo com o antigo, do transcendente revelado com o real já conhecido.

É dever e necessidade de todas as ciências implorar o conforto da verdadeira metafísica, se ela existe, e não contestar seus julgamentos, uma vez que os excede a todos. É a honra e a honestidade da religião submeter-se ao controle da verdadeira metafísica e não discuti-la de fora e de cima, visto que é reconhecida como uma juíza soberana dos assuntos humanos. (…)

É a característica distintiva do cristianismo, e ainda, do catolicismo, de ter ousado proclamar a submissão integral da sua doutrina, portanto da própria Palavra de Deus, e das realidades divinas, do Ser divino ao exame da razão metafísica. E, portanto, rejeitar vivamente a hipótese de uma Razão divina que seria irracionalidade humana, apesar dos termos eloquentes de São Paulo aos Coríntios (I Cor 1, 18-31). (...)

A VERDADE METAFÍSICA

Será que a metafísica é verdadeira, óbvia e aberta a todos? O metafísico seria infalível num campo onde o próprio Papa e o seu Concílio não pretendessem sê-lo? Seria um ditador, um oráculo, um mago de que nenhum teólogo, nenhum físico teria o direito de contestar nada? Isso repugna o senso comum, pois também o filósofo pode errar. Esta resposta mostra-nos o resultado: será necessário mostrar-lhe que está errado, mas mostrá-lo não com provas físicas, não com argumentos de autoridade, mesmo divina, mas no próprio terreno. Mostrar-lhe como se engana na sua demonstração metafísica, com argumentos metafísicos, em que todo o homem raciocina de igual para igual com todo o homem. Assim, por razão natural e no domínio dos princípios gerais em que pretende exercê-la. A razão é sublime e soberana, mas não a razão de tal indivíduo que ensina: a razão universalmente compartilhada. (...) Santo Tomás tem razão em reclamar a autonomia da metafísica, pois cabe-lhe sozinha justificar ou defender os seus princípios. Mas cada um é livre de entrar, argumentar e discutir. Para que a verdade triunfe mais seguramente sobre o erro. (...)

II. ITINERÁRIO FILOSÓFICO DO ABBÉ DE NANTES

O meu leitor perdoar-me-á por apresentar-lhe o itinerário filosófico de um estudante dos anos quarenta, as etapas do ensino que seguiu, as suas escolhas pessoais nos debates da sua época, em vez de um quadro necessariamente glamoroso dos diferentes capítulos da filosofia. (...) É que sempre experimentei que o melhor acesso à sabedoria filosófica era abordar a filosofia com a sua história, e esta através da narração da vida e do caminho dos próprios filósofos.

Descrever a primeira etapa dos meus estudos em filosofia é para mim elogiar os meus mestres eclesiásticos, mestres aos quais a minha geração ainda deve ter, mas sem esforço da nossa parte, herdado e beneficiado da sabedoria clássica milenar. E talvez sejamos os últimos.

Falo apenas em memória do meu ano de filosofia na Faculdade Católica de Lyon, em 1941-1942, onde ensinava o Abbé Jolivet, autor de manuais, entediante de ouvir, mas sagaz e claro, o Padre Ancel, límpido e estéril comentador do Suma, e muitos outros. Eu era muito jovem, não para entender, mas para apreciar o valor raro, a importância do que eu entendia...

Os cursos absolutamente notáveis do Padre Peissac, dominicano, talvez tenham tido, sem a minha atenção, uma influência determinante na minha ulterior reflexão metafísica. (...) Ele nos iniciava, por meio de esquemas engenhosos, ao conhecimento da relação indizível de Deus com o universo da nossa experiência. Foi de uma sutileza intelectual assombrosa. E já estava enraizado em mim o pensamento de que a sabedoria metafísica total deveria caber na impossível conciliação destes dois pontos de vista, um impulso sobre o ser puro e perfeito, imóvel e transcendente; o outro sobre as relações que os seres contingentes mantêm em toda a necessidade com Ele. Mas escusado será dizer que isso me ultrapassou completamente.

REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MODERNO PELO REALISMO TOMISTA

Foi no seminário de Issy-les-Moulineaux que voltei em 1943, no meu primeiro ano de filosofia. Foi um contínuo encantamento da inteligência. (...) Dos meus mestres sulpicianos, adquiri estes princípios e instrumentos intelectuais que me permitiram compreender, classificar e apreciar sem dificuldade as grandes hipóteses das ciências modernas. (...) Por conseguinte, a certeza sempre verificada de que Aristóteles governa sempre a investigação, as ciências, a ação humana, nunca mais deixará o meu espírito.

A opção decisiva teve lugar desde os primeiros dias, a do realismo de São Tomás, contra o idealismo moderno, opção apresentada e justificada no curso de Crítica do Conhecimento, pelo Mons. Ruff. Ele decretou o pensamento de todos os traços do kantismo e do hegelianismo ambiente, por uma teoria firme, precisa, convincente do conhecimento abstrato, que se alimenta de dados sensíveis vindos das coisas, do exterior, e nos coloca finalmente, sob uma forma intencional própria da mente humana, na posse das próprias coisas, da sua « quididade ».

Assim, foi-nos demonstrado em primeiro lugar o valor objetivo, existencial, do juízo intelectual. O espírito humano é capaz de captar e afirmar a verdade acerca dos seres do seu universo, e esta verdade é obra dos sentidos e da inteligência associados para manter o sujeito em comunhão espiritual, « intencional », com o objeto: Não com as suas próprias ideias, como pretende a filosofia moderna, mas com os seres exteriores, apreendidos pelos sentidos e conhecidos pelos conceitos elaborados pelo Espírito. O Mons. Ruff dizia: Todo o drama do pensamento moderno está nos dados. E, infelizmente, acrescentou, ao cair de sua cátedra, porque ele era um grande comediante, perdemos um dado! ?

À décima vez, já percebi. A ideia é para os escolásticos a maneira de conhecer o real, através do qual a mente alcança o ser das próprias coisas; em latim objectum quo. Para os modernos, é o que a mente conhece, nunca alcançando senão as suas próprias concepções e não a verdade objetiva; em latim, objectum quod. Quo, ou quod ? Uma história do "d", que se guarda ou perde. Além do trocadilho, entusiasmo do jovem aluno do primeiro ano que a Igreja liberta judiciosamente de três séculos de erro filosófico! Começou a exposição da vasta teoria do conhecimento segundo Aristóteles e Santo Tomás, do qual aceitei tudo, até à distinção genial dos dois intelectos, paciente e agente, teoria que me parece sempre satisfatória, inabalável e verdadeira. (...)

FILOSOFIA DA NATUREZA E METAFÍSICA

Outros cursos, espalhados por dois anos, nos ensinaram a Filosofia da Natureza. (...) O Mons. Hamel nutria o seu ensinamento com dados de experiências antigas e por vezes todas modernas, juntando-se assim ao ensino universitário mais decididamente positivista, mas ele fundava, enquadrava e coroava estas trocas de observações com um recurso constante à física racional de Santo Tomás. (...)

Graças a esta física escolástica, mais tarde poderei inquirir sobre as ciências modernas, compreender as suas subordinações, bem como o papel decisivo e, no entanto, acessório que desempenham as matemáticas. Tenho a visão clara da subordinação das ciências da natureza entre si e com a metafísica ao livro de Jacques Maritain, A Filosofia da Natureza. Ensaio crítico sobre as suas fronteiras e sobre o seu objeto. E gosto de lhe prestar homenagem. (...)

Todas essas aulas, e outras secundárias, culminavam na Metafísica, que ensinava, o rosto glamoroso e os seus olhos visionários fixados nas profundezas do ser, Mons. Lesourd. Era puramente a continuação das grandes lições de Aristóteles, mas refinadas, explicitadas, profundamente remodeladas por Santo Tomás de Aquino. (...) Não porque ele tenha dobrado a filosofia do Estagirita às necessidades da fé cristã, mas porque a luz das verdades reveladas lhe tinha feito ver as suas insuficiências e graves lacunas. Há aqui mais do que uma nuance porque, como dissemos, esta ciência suprema do ser como ser não suporta nenhuma intrusão religiosa no seu próprio âmbito. (...)

Quem não está intimamente familiarizado com as distinções aristotélicas de poder e de ato, e por isso de matéria e forma, de corpo e alma, de substância e de acidentes, enfim, de essência e de existência, distinção suprema, nunca compreenderá nada de profundo e será continuamente exposto, interpretando as aparências dos seres, a cair nas confusões contraditórias das gnoses e das ideologias reinantes: ou absorverá e confundirá em Deus todos os seres do mundo, panteísmo, ou ele acreditará está separando radicalmente o mundo de todo ser transcendente e explicá-lo por si mesmo, ateísmo.

Enquanto a metafísica de Aristóteles, conduzindo o seu inquérito sobre as causas supremas dos seres, depois da análise dos seus princípios substanciais, estabelece o sistema das relações que os seres do universo mantêm entre si, sob o regime das quatro causas eficiente, material, formal e final, e com Deus seu criador. É sobre este último capítulo, aliás, que Santo Tomás supera em cem côvados o mestre pagão e... batiza Aristóteles!

O jovem filósofo cuja história conto ficou assim deslumbrado, saciado pela sabedoria escolástica que lhe era tão simples e tão seguramente ensinada, com autoridade, nos primeiros anos da sua vida clerical. Além disso, os nossos professores não hesitavam em confrontar esta filosofia perene com as filosofias do momento. (...)

CONFRONTO DE SANTO TOMÁS COM A FILOSOFIA MODERNA

Em 1945, o existencialismo estava no auge. Existencialismo ateu de Sartre, ou cristão, de Gabriel Marcel, um e outro reivindicando-se de distantes e, por vezes, de muito inesperados precursores, Kierkegaard evidentemente e Pascal, mas ainda Dostoiévski e Chestov. Como o seu nome indica bastante, esta filosofia nova tomava o seguimento de todos os anti-intelectualismos, como os de Bergson, Blondel, Laberthonnière, que denunciam a abstração científica ou filosófica como uma falsificação do real e preconizam o retorno ao concreto. Em resumo, a novidade era uma coisa velha; ela herdava de toda essa esquerda filosófica cujo denominador comum é a recusa de qualquer construção abstrata, seja de tipo realista ou idealista.

Mas nem tudo é exaltar o ser individual contra a ideia, a existência contra as essências. Ainda temos que dizer, escreva coisas dignas de interesse! (…) Para não cair nas abstrações, o existencialismo convenientemente encontrou a « fenomenologia » de Heidegger, Jaspers e seus discípulos que (…) tendo contornado sem os ver as imensas construções das ciências e da metafísica anteriores, logo caiu em um esteticismo mais leve, onde a angústia, o absurdo, até mesmo a fé cristã (?) e outros sentimentos ou fortes impressões foram mantidas sem razão para a mais alta forma de sabedoria.

Já não havia filosofia nenhuma. O existencialismo só tinha força e interesse na sua parte destrutiva, quando retomava e renovava a crítica do idealismo hegeliano, poupando Kant, indo até Descartes e até englobando, numa confusão inacreditável, todas as filosofias anteriores. (...)

Os nossos professores não tinham dificuldade em mostrar-nos neste debate contemporâneo o confronto de duas facções inimigas, tão impotentes uma como a outra para dar uma representação justa e coerente das coisas. Conclusão inconfundível: a salvação do espírito humano, pleno e definitivo, estava no retorno à filosofia de Santo Tomás. (...)

Esse retorno triunfante à philosophia perennis ocorreu em três etapas. Em primeiro lugar, foi uma refutação formal das várias filosofias modernas, tanto mais fácil e convincente quanto usou os argumentos pelos quais idealismo e existencialismo se destroem mutuamente. Veio então, como a codificação do senso comum, a exposição irênica da construção aristotélica, maravilhosamente completada pela contribuição de Santo Tomás, especialmente na metafísica. Por fim, demonstraram-se as últimas objeções e hesitações, o « existencialismo » de Santo Tomás. Sim, de fato, antes da carta, Santo Tomás tinha a essência e a existência perfeitamente distintas, e sublinhava a primazia desta última sobre a primeira. Pelo qual ele evitou o racionalismo que todos rejeitam hoje. (…)

O tomismo dizia tudo, satisfazia todas as exigências, respondia a todas as perguntas dos nossos contemporâneos. Eu estava banhado em Santo Tomás. (...)

É nas suas disposições que entrei em teologia, neste mesmo seminário de Issy-les Moulineaux, no outono de 1945. Mas eu estava prestes a conhecer o mais profundo movimento da mente. (...)

III. A INTUIÇÃO DE UMA NOVA SÍNTESE FILOSÓFICA

A CRISE FILOSÓFICA DE 1946

Um jovem professor, piedoso e profundo sulpiciano, o Mons. Guilbaud, angevino, começou a ensinar-nos o tratado da Trindade. (...) Um detalhe me chocou, uma objeção veio a mim, que lhe apresentei no final do curso.

Ele dava como perfeita a definição da pessoa por Boécio: « Naturae rationalis individua substantia », uma substância individual de natureza razoável. E insistia, citando Maritain, na autonomia, na subsistência, na incomunicabilidade da pessoa. Ora, ele tinha bem dito que a natureza divina era uma substância única e perfeita, cuja pluralidade das Pessoas não podia contradizer nem alterar a unidade porque eram puras « relações ». Existia uma aparente contradição, pensava eu, entre a definição da pessoa como autonomia e, logo após esta definição absoluta, dogmática e, portanto, indiscutível, a das Pessoas divinas como relativas, puras relações! Ele respondeu-me, com ar preocupado, que iria refletir sobre esta objeção que não tinha pensado, mas que nada tinha ensinado ali a não ser de tradicional e segura, em que podia confiar. Não duvidei de nada.

Com isso, ele adoeceu. Visitei-o uma vez no hospital. Na sua fadiga extrema, disse-me: « Penso na sua pergunta. Penso nisso... muito... », e morreu algumas semanas depois. Como não ficar comovido com este encontro de acontecimentos? Eu costumava rezar por ele, que agora sabia a resposta para o nosso grande problema. E tive de fazer tudo sozinho.

A alternativa era a seguinte: ou apoiar-me em Boécio, este obscuro filósofo romano transcrevendo em seu latim pesado e lento tudo o que caía sob a mão da lógica e da teologia gregas, e através dele sobre Aristóteles e Santo Tomás! Manter como certo que a pessoa é uma substância individual de natureza razoável, e então concluir que deve haver em Deus uma única Pessoa ou, se não, três Substâncias individuais! Explicações contrárias à fé...

Ou preferir, sobre este problema metafísico muito geral, à definição estéril de Aristóteles as luzes da teologia, e definir a pessoa, qualquer pessoa humana, angélica, bem como divina, pela relação.

UMA NOVA DEFINIÇÃO DE PESSOA

Foi a este último partido que aderi e me submeti. E eis que cada novo tratado de teologia que fazia intervir a noção de pessoa, como também cada apelo à ideia de relação, vinha melhorar a minha hipótese de trabalho. Foi um momento emocionante. De próximo a próximo, reconstruí, não contra Aristóteles e São Tomás, mas, é preciso dizê-lo, ao lado deles, em complemento da sua, uma síntese de uma novidade assombrosa, de uma ousadia extrema, mas fecunda, falante e bonita.

O seu grande sinal de verdade foi para mim a solução libertadora que ela oferecia à insuportável oposição que a teologia tradicional latina coloca entre os dois grandes Mistérios cristãos da Santíssima Trindade e da Encarnação do Verbo. Na Trindade, as três Pessoas são ditas de relacionamentos puros, pura paternidade, pura filiação, pura espiritualização. Ao contrário, na Encarnação, o Verbo divino e humano, em duas naturezas perfeitas, é dito uma só Pessoa ou hipóstase, por causa da autonomia, da incomunicabilidade, da subsistência ligada a estas noções!

Pelo contrário, descobri na minha definição universal e analógica da pessoa como relação de origem, harmonias maravilhosas e convergências entre os dois Mistérios, uma continuidade perfeita! O Verbo era, precisamente sob a sua própria razão de Filho, no meio da vida trinitária, capaz de dar a si mesmo uma natureza humana segundo a sua pura e simples personalidade de Filho unigênito de Deus... E depois de Deus ao anjo, do anjo ao homem, a noção de pessoa assim definida mostrava-se em toda a parte reveladora de fundo singular, inesgotável e sagrado de todo o ser espiritual, segundo os dogmas e a moral da nossa fé católica, em vista da razão filosófica mais sobranceira e segundo os votos do existencialismo personalista mais moderno. (...)

Pus-me a trabalhar. Estudei o estatuto da pessoa, em filosofia da natureza e em metafísica, em todos os autores possíveis. Eram montanhas de livros. E o status da relação nas Categorias de Aristóteles e todos os seus comentários, e em outros lógicos e filósofos. Trabalho imenso, porque em todo o lado voltavam as palavras-chave: substância, natureza, pessoa... Havia pontos sensíveis em que eu sobressaía; quando todos aceitavam as palavras de Aristóteles, magister dixit, que eu tinha que desafiar. Pouco a pouco, o meu universo mental estava a mudar, ou melhor, a reencontrar-se. E já não era Maritain apenas o culpado, mas Santo Tomás e, através dele, mais do que ele, Aristóteles! O defeito original, o aristotelismo? Para onde eu estava indo!

EU ERA UM MODERNISTA?

Esta atenção amorosa ao ser singular, à pessoa individual, da qual Aristóteles declara que não existe ciência e da qual se desinteressa, esta aplicação a compreender e pelo menos a marcar com carácter próprio o ser concreto, seja ele qual for, Deus, anjo, homem, ou micróbio, átomo, elétron; este gosto de se tornar indivíduo, da história; esta observação do destino de cada um e as reflexões que se podem fazer sobre ela, tudo isto, descobri que outros tinham sido assombrados ao longo dos séculos... pelo adversário!

Não em Parmênides e Aristóteles, mas nos « decadentes », epicuristas e estóicos. Não em Santo Tomás, precisamente em Scoto, Occam e os seus odiosos discípulos nominalistas. Começava a adivinhar que, na mesma medida em que quiseram interessar-se pelo concreto como tal, singular, histórico, eventos, tinham rejeitado a filosofia de Aristóteles e perdido-se em sistemas complicados, acreditando em vencê-lo no seu próprio terreno. Havia assim, também em metafísica, uma direita e uma esquerda, que se preocupa como diabo com o indivíduo, do seu valor e dos seus direitos, que reserva o seu cuidado à natureza imutável, às leis gerais e à ordem universal.

Eu li Realismo cristão e idealismo grego, então não encontrado, em sua edição de 1904 (reedição, Le Seuil, 1966), de Laberthonnière. Mas que grande apreensão! Ele já tinha visto tudo, tudo entendido do que eu procurava: sair das filosofias das essências, para entrar no conhecimento dos seres singulares! Foi um entusiasmo. Eu recortei páginas inteiras disso. Mas... mas Laberthonnière lançado em suas alegações inflamadas, sarcásticos, intermináveis, contra os gregos diretamente, e indiretamente contra os escolásticos e sua besta negra, Santo Tomás, perdia-se no seu imenso estaleiro de demolição, sem nada reconstruir. (...)

Não ganhei nada, então, com o estudo de outros modernistas, personalistas, existencialistas. (…)

CONSTRUIREI UMA METAFÍSICA TOTAL

Uma palavra de Leibniz acompanhou-me durante estes cinco anos de reflexões laboriosas: « Os autores que seguem estas estradas diferentes não deveriam maltratar-se. » Assim fui retido, por graça, porque tinha visto o nada das reconstruções modernistas, ao contrário, porque tinha aprendido e verificado a verdade inabalável do substancialismo aristotélico, de ceder ao espírito de novidade e de revolução, mesmo copernicana. (...) Nem por um momento tive a ideia de rejeitar a escolástica para a substituir por outro sistema. Nem um único dos que o tentaram conseguiu fazê-lo, e nada me aconselhava a fazê-lo... Em vez disso, apliquei-me a inserir na construção escolástica toda a novidade verdadeira, útil, sem abalar nada. (...)

Estávamos em 1950. Preparava uma grande tese de teologia, onde diria tudo o que sabia sobre a Pessoa e as suas relações. (...)

Paralelamente, redigi uma pequena tese sobre a Estrutura metafísica da Pessoa na obra de Santo Tomás de Aquino. O meu padroeiro de tese era o Cônego Lallement, professor de metafísica no Instituto Católico. (...)

Expliquei-lhe brevemente a minha crítica às categorias de Aristóteles no capítulo da relação. Ele já estava a brincar. De tom menos firme, faço a minha crítica ao substancialismo de Santo Tomás e ao seu constrangimento em localizar em algum lugar a relação da criação... Seu rosto congelou. Eu continuei, no entanto. Mas, ao fim de algumas frases, fazendo a mais horrível expressão de repulsa que já vi a alguém, « Fui designado nesta faculdade de filosofia por Roma, diz-me, precisamente para riscar trabalhos deste tipo. » E, olhando para mim com os seus olhos de velho inquisidor, devolveu-me duas folhas de papel, das quais só tinha lido as primeiras linhas. Eu fujo em vez de não ir embora. (...)

Ainda assim, sinto muito. Estava convencido de que havia uma verdade especulativa, é certo, mas de uma urgência vital para o futuro do mundo, devido às suas prolongações morais e políticas. Se ela não fizesse a sua abertura, seria Maritain que se tornaria o grande mentor do pensamento eclesiástico, e seria a ruína da Igreja e das nações.

Além disso, a gravidade das correções feitas às doutrinas dos mestres mais eminentes do pensamento universal, Aristóteles, Santo Tomás e muitos outros, persuadia-me de que era inconveniente a um homem demasiado jovem ousá-lo. Depois deste purgatório que durou trinta anos, é-me permitido, penso eu, submeter ao juízo dos nossos leitores e amigos, este ensaio de Metafísica Total.

Abbé Georges de Nantes
Extratos de CRC nº. 170, outubro de 1981, p. 3-12